Novo tributo será mais um a incidir sobre cerveja, refrigerante, cigarro e outros pecados
O chamado Imposto Seletivo deve tornar a conta do bar um pouco mais salgada. Criado pela reforma tributária –, promulgada em dezembro de 2023 –, o tributo será mais um a incidir sobre cerveja e outras bebidas alcoólicas, refrigerante, cigarro, entre outros “pecados”. O prazo é que a medida passe a valer a partir de 2027.
O dispositivo tem o objetivo de desestimular o consumo de produtos ou serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O advogado tributarista do escritório Dias de Souza Advogados Associados, Thúlio Carvalho, explica que a emenda constitucional está em fase de edição da lei complementar.
Nem mesmo as alíquotas estão definidas. Veículos, embarcações, aeronaves, e bens minerais extraídos também serão onerados.
Segundo o mestre em Direito pela PUC-SP, a sobretaxa de bens de consumo apontados como “socialmente indesejados” é uma prática internacional, e possui função “extrafiscal”, ou seja, “não tem o intuito meramente arrecadatório”.
“O Imposto Seletivo incidirá junto com os demais tributos previstos no texto (IBS e CBS), e visa criar um encargo a mais, o que, em tese, serviria para desestimular o consumo de itens prejudiciais e influenciar os consumidores a fazerem escolhas mais saudáveis ou menos poluentes”, fala Carvalho.
Ele afirma ainda que, apesar de adotado por outros países, existe o debate se o mecanismo é mesmo capaz de atender o que preconiza. E ainda que não é uma certeza, mas, deve sim, refletir no preço final das mercadorias, especialmente no caso das bebidas açucaradas (como refrigerante), que atualmente não carregam tributação adicional, diz.
A consultora acadêmica Jaci Pinheiro, 70, afirma que, “se a questão é saúde”, não vê problema em pagar um pouco mais na cerveja, desde que se reduza a carga de impostos sobre medicamentos. “A pessoa com mais idade precisa da medicação, não tem como ficar sem, é algo essencial”, diz.
Ela reconhece, no entanto, que o aumento da cobrança terminará pesando mais no bolso de quem pode menos. “Com certeza vai recair sobre os empreendedores, o pessoal que vende na praia, que nem sempre consegue repassar todo o reajuste. Eu estou disposta a pagar mais na cerveja, se é para o benefício do povo, mas esse dinheiro não vai para a saúde”, fala.
O presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB), Leonardo Nunez Campos, pontua que o imposto é “desvinculado”, não possuindo contraprestação específica. Ainda segundo o advogado, a nova lei segue uma tendência mundial de utilizar-se de tributo adicional para coibir “certas condutas”.
Ele considera relevante a contribuição não ser “só de base arrecadatória”, mas destaca que o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) foi concebido também para incidir e majorar preços de bens não essenciais, mas terminou indo parar nos combustíveis, serviço de telefonia, “onde a arrecadação é mais fácil”.
“É importante que o propósito não seja desvirtuado”, diz Campos.
CBS e IBS
Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no estado, Leandro Menezes afirma que a entidade está acompanhando o desenrolar das discussões em torno do Imposto Seletivo, mas enfatiza que o setor é contrário “a qualquer aumento de preços e de carga tributária”.
Segundo ele, a norma pode, pelo contrário, pode “estimular o contrabando e a comercialização de produtos de qualidade duvidosa”. “É preciso atentar ao fato de que a incidência de um imposto sobre esses produtos, tende a afetar os mais pobres, que não teriam como adquirir os itens de qualidade, e consumiriam aqueles mais acessíveis, ou seja, sem qualquer padrão de qualidade”, fala.
Ainda de acordo com Menezes, os impostos federais IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), PIS e Cofins (destinados ao financiamento da seguridade social) serão unificados na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Enquanto os impostos estadual (ICMS) e o municipal, ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza), serão unificados no Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS).
“Ao unificar esses impostos, a proposta visa reduzir a burocracia, os custos para a empresa, a chamada guerra fiscal, e tornar o processo mais transparente. O setor de bares e restaurantes terá uma alíquota diferenciada, a ser posteriormente definida por meio de lei complementar. A Abrasel defende, inclusive, que seja de 40% da alíquota padrão, tendo como modelo as alíquotas para o setor nos países da Europa, que são referência quando se trata de IVA (Imposto sobre Valor Agregado, que irá unificar cinco tributos brasileiros a partir da reforma tributária)”, destaca o presidente da Abrasel.
O IVA entre os países da Europa varia de 21% a 27%. “Se a alíquota do IVA geral for de 30%, defendemos que o segmento seja tributado em 40% desse valor, ou seja, alíquota de 12%”.
Atento à discussão, o comerciante Miguel Bonfim, 67, diz que só bebe agora “onde conhece”, para não pagar mais caro. “Está igual à conta de luz e água, de janeiro para cá já subiu três vezes. Paguei essa semana R$ 21 em uma garrafa de puro malte”, diz.
Fonte: A Tarde | Foto: Rafaela Araújo/ Ag. A TARDE