Em Seabra, uma médica e uma enfermeira estão revolucionando o tratamento com a cannabis medicinal por meio de um protocolo humanizado e acompanhamento especial.
Dentre os diversos sistemas do nosso corpo, há um que só veio a ser descoberto a partir de meados dos anos 60 e funciona como um regulador do nosso organismo: o Sistema Endocanabinoide. Essa descoberta jogou luz sobre algo ainda não presente nas grades curriculares dos cursos tradicionais de área de saúde: a importância dos receptores naturais do organismo humano aos fitocanabinoides, substâncias terapêuticas produzidas pela planta da maconha.
São diversos compostos que estão presentes na planta e podem gerar ótimos resultados no tratamento de diversas doenças e desordens do organismo. Os mais conhecidos são o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) e é sobre essa incrível possibilidade de alívio de sintomas que vamos tratar a seguir, orientados pelos esclarecimentos de uma médica, a Dra. Luiza Brazileiro e uma enfermeira especialista em Cannabis Sativa, Lívia Prado. Elas atuam na Chapada Diamantina com o tratamento à base de cannabis há mais de um ano seguindo um protocolo inédito, criado após muita pesquisa e experiências pessoais.
A terapêutica com a maconha já ultrapassou os preconceitos e vem ganhando espaço no exterior e no Brasil, sobretudo por conta dos resultados que os pacientes obtêm com o seu uso. Já imaginou trocar remédios com reações adversas desconfortáveis, de uso contínuo, por uma substância natural, cujos efeitos colaterais muitas vezes fazem parte do próprio tratamento? É isso que a cannabis medicinal pode proporcionar. Diagnósticos como dor crônica originada por diversas condições de saúde, náuseas, epilepsia, ansiedade e distúrbios do sono, além de doenças neurodegenerativas e inflamatórias, todas podem ter seu quadro parcial ou totalmente controlado com o uso da maconha medicinal.
A Dra. Luiza explica que esse amplo espectro de doenças tratáveis com a maconha vem do fato de que o sistema endocanabinoide faz parte da própria regulação do organismo. “É como se fosse um sistema que equilibra todo nosso corpo, por isso que a cannabis medicinal tem diversas indicações. Ainda que não seja para todo mundo, o leque de doenças ou sintomas que podem ser tratados com ela é extenso”, assegurou.
No entanto, ela afirma que o tratamento deve ser acompanhado rigorosamente porque, assim como cada organismo é único, a resposta à dosagem da substância também será individual. Para isso, ela atua em conjunto com Lívia, com quem criou um protocolo único que adota nos tratamentos realizados na Clínica Brazileiro Alencar.
No protocolo consta um roteiro de atendimento, desde o primeiro contato com os possíveis pacientes, que inclui duas consultas, que podem ser feitas de forma presencial ou online e, após prescrição, um acompanhamento por 60 dias. No primeiro momento, Lívia faz um acolhimento humanizado, entende as necessidades do paciente, explica todos os detalhes do tratamento e, em seguida, encaminha para a consulta que vai determinar a prescrição do tipo de substância, a dosagem e a posologia, já com a médica.
“O acompanhamento por 60 dias é importante porque a dose ideal difere de paciente para paciente, cada organismo responde de uma forma diferente. Por isso, iniciamos o tratamento e vamos acompanhando dia a dia, semana por semana, para observar qual a dose ideal para aquela pessoa”, explicou Lívia. No primeiro momento, enfermeira e paciente se falam, praticamente, todos os dias. Passados os dois meses, normalmente já é definida a dose ideal para seguir o tratamento.
Esse protocolo é um dos grandes diferenciais do método empregado na clínica, assim como o trabalho em equipe. “O tratamento é personalizado em dosagem e associação dos tipos de compostos. Por isso a importância de ter uma equipe, no caso eu e Lívia, porque ela é especialista e é quem faz o contato direto com o paciente, então estamos sempre conversando sobre cada caso e chegando à prescrições e condutas em relação a todos”, destacou a Dra. Luiza, que é clínica geral, especialista em emergência e, pela vontade de intensificar a medicina ambulatorial, passou a pesquisar e encontrou no tratamento com a cannabis uma nova área de interesse.
No caso de Lívia, o contato com a maconha medicinal aconteceu por uma motivação pessoal. A enfermeira é portadora de fibromialgia e, diante da falta de resposta aos tratamentos tradicionais, buscou alternativas.
“Comecei como paciente, recorri à cannabis como última esperança para cuidar de uma fibromialgia ainda com certo preconceito. Tinha muitas dores e havia desenvolvido ansiedade e um quadro depressivo por conta disso, então busquei um médico em Salvador. Com a melhora, fui tentando entender o porquê de uma coisa que disseram que podia fazer tão mal, estava me fazendo tanto bem”, testemunhou.
A enfermeira estuda o poder curativo da maconha há cinco anos, mesmo período em que passou a se tratar e conta com orgulho que está com a fibromialgia controlada e muito bem de saúde. “Me apaixonei e vi a possibilidade de ajudar outras pessoas.”
Uso
Ainda que haja diversos usos da maconha, como pomadas, gummies, cápsulas, tinturas ou até mesmo a floração para fumar, na clínica, elas optaram por trabalhar com o óleo administrado por via oral. De acordo com a médica, o óleo de cannabis é uma das formas mais populares e mais acessíveis no Brasil, e isso associado à melhor absorção orientou a escolha.
Efeitos colaterais
Uma das dúvidas frequentes que recebem no consultório é sobre os possíveis efeitos colaterais e, até nesse aspecto, o tratamento com a cannabis se mostrou interessante, haja vista que os efeitos das substâncias podem ser “aproveitados” no tratamento.
De acordo com as duas profissionais, tudo depende do tipo e parte da planta da qual o óleo foi extraído. “Em doses altas, pode levar àquela euforia, que se compara à euforia da maconha fumada. A maconha fumada produz mais THC e vem da folha, enquanto o óleo medicinal que a gente mais utiliza é produzido a partir das flores”, explicou Lívia.
Ela conta que os efeitos podem ser boca seca, tontura ou mal estar, mas alguns dos efeitos são desejados, como a sonolência, quando a pessoa tem problemas para dormir. “Há pacientes que têm que evitar o efeito colateral e há pacientes que vão ser beneficiados por eles, por exemplo, alguém que apresente anorexia, é interessante usar o óleo com mais concentração de THC porque um dos efeitos colaterais é o aumento de apetite”. Com a explicação, reitera que a prescrição médica e o acompanhamento de um especialista são indispensáveis.
Orientações
Uma importante parte do tratamento é a orientação para fazer parte desse ‘universo’ da cura pela maconha medicinal. Para se ter acesso aos medicamentos, é preciso estar vinculado a uma associação, que fornece os óleos a um preço inferior ao de farmácia. Para isso, a médica escreve um relatório justificando a necessidade a enfermeira cuida do trâmite burocrático de cada paciente, fazendo o vínculo dele à associação que costumam indicar.
Na clínica, não trabalham com a venda de óleos e também não prescrevem óleos feitos em casa ou não legalizados.
Público infantil
Devido ao sucesso com o público adulto e a procura frequente de mães em busca de alívio para os filhos, Lívia e Luiza decidiram ampliar os atendimentos para as crianças. Elas contam que todo o movimento da cannabis medicinal do Brasil, inclusive, foi iniciado por mães que pressionaram o governo em busca da legalidade do tratamento. A demanda em Seabra e na região da Chapada Diamantina, da mesma forma, é grande para o tratamento com cannabis em crianças.
Também com esse público, as respostas são animadoras. “Há uma criança que tinha 30 a 40 crises convulsivas por dia tomando 12 tipos de medicações diferentes, entre antidepressivos, psicotrópicos e anticonvulsivantes e depois do uso do óleo, passou a não ter nenhuma crise no dia, uma crise a cada mês e a mãe chegou a relatar de ausência de crise há um ano”, exemplificou a médica, acrescentando que nesse caso a criança deixou de usar todas as outras medicações e o controle atual da doença se dá apenas pelo óleo.
Primeira opção
No tratamento com a maconha medicinal, além das inúmeras possibilidades, chama a atenção a importância de mais pessoas conhecerem a alternativa. É frequente nos consultórios, assim como ocorreu com Lívia, as pessoas buscarem atendimento apenas quando já não há mais outra alternativa na medicina alopática tradicional, atrasando o controle de sintomas que, com o uso do óleo, tem grandes chances de alívio em pouco tempo.
“Na verdade, em muitos casos ela deveria ser a primeira escolha. Muitos pacientes que usam diversas medicações, algumas de controle especial, com muitos efeitos colaterais, infelizmente procuram a cannabis como o último caminho por falta de conhecimento. Mas até hoje, só tivemos respostas positivas e muitos se questionam por que não fizeram o caminho inverso, de começar seu tratamento com a cannabis medicinal”, comemorou a Dra. Luíza. O atendimento para orientações e consultas é realizado de forma online ou presencial na Clínica Brazileiro Alencar, em Seabra, na Praça da Bandeira. O telefone para contato é (75) 99980-2239.
Ananda Azevedo | Fotos: Ananda Azevedo