Ex-peso-pesado sofria de demência pugilística, consequência das pancadas que sofreu na cabeça ao longo dos 17 anos de carreira
José Adilson Rodrigues dos Santos, mais conhecido como Maguila, morreu nesta quinta-feira, 24 , em São Paulo, aos 66 anos. O principal peso-pesado e uma das direitas mais pesadas do boxe brasileiro sofria de encefalopatia traumática crônica, também conhecida como demência pugilística, diagnosticada em 2013.
A notícia do falecimento de Maguila foi confirmada pela sua esposa, Irani Pinheiro, em entrevista ao canal de TV “Record”.
Maguila nasceu no dia 11 de julho de 1958, em Aracaju. Dos 17 anos em que lutou, acumulou um cartel de 85 lutas, 77 vitórias (61 por nocaute), sete derrotas e um empate técnico. Com seu jeito carismático e suas entrevistas folclóricas, foi cativando o público. Entre as lutas mais especiais da carreira, estão os confrontos com nomes como Evander Holyfield e George Foreman.
O interesse pelo boxe começou ainda em Aracaju, ao assistir às lutas de Éder Jofre e, em especial, de Muhammad Ali. Em uma casa repleta de irmãos, Maguila assistia às lutas do ídolo em um televisor preto e branco na casa de um vizinho. Anos depois, se tornou campeão peso-pesado, mesma categoria de Ali.
“Eu me interessei por boxe porque eu sempre fui fã do Muhammad Ali, do Cassius Clay. Sempre fui fã dele e disse: vou lutar boxe. Gostava demais dele. Quando eu comecei a assistir, nem televisão tinha em casa – disse ao ge em 2015.”
Aos 14 anos, foi para São Paulo para ser ajudante de pedreiro, onde viveu com muita dificuldade. Ele contou, em outra entrevista que passou três meses comendo pão com banana, morando em um caminhão abandonado no Butantã e, mais tarde, descoberto pelo dono do caminhão, que tirou o veículo, passou a dormir no poste.
Maguila começou a treinar em 1979, e a primeira luta veio dois anos depois, em 1981. Foi na “Forja de Campeões”, maior evento de boxe do Brasil, que acontece desde 1941, sob o comando do técnico Ralph Zumbano, tio de um de seus ídolos, Éder Jofre.
O primeiro título brasileiro veio em 1983, ao vencer Waldemar Paulino, no icônico ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Maguila se manteve no topo da categoria no Brasil e dono do título até 1995. Foi campeão sul-americano pela primeira vez em 1984, ao nocautear o argentino Juan Antonio Figueroa ainda no primeiro round, também no Ibirapuera. Ele manteve o título por 10 anos.
Em 1985, no ginásio do Parque São Jorge, em São Paulo, Maguila perdeu sua invencibilidade. O sergipano foi nocauteado pelo argentino Daniel Falconi. O brasileiro, no entanto, conseguiu dar o troco. No ano seguinte, no mesmo palco, ele não somente teve sua revanche, como também deu um fim à carreira do rival. Na luta, o adversário teve um deslocamento de retina e teve o olho salvo duas cirurgias depois. “Era muito perigoso continuar minha carreira nessa situação. Tive que decidir e parei”, contou Falconi.
Maguila também conquistou o cinturão das Américas pelo Conselho Mundial de Boxe (WBC), em 1986, e da América Latina pela Associação Mundial de Boxe (WBA) e pela Federação Internacional de Boxe (IBF), ambos em 1996.
Apesar de não ter conquistado o título por uma das quatro principais organizações mundiais de boxe, Maguila foi o primeiro brasileiro campeão mundial dos pesos-pesados. Em 1995, ele venceu Johnny Nelson, em Osasco, e conquistou o cinturão da Federação Mundial de Boxe (WBF), uma entidade considerada de segunda prateleira.
Maguila encerrou a carreira em 2000 e foi nocauteado por Daniel Frank em seu adeus aos ringues, no dia 29 de fevereiro daquele ano.
Holyfield e Foreman: as maiores lutas da carreira
No dia 15 de julho de 1989, o Brasil parou para assistir ao duelo de Maguila com Evander Holyfield. O brasileiro vinha de uma sequência de 18 vitórias, incluindo o marcante triunfo por pontos sobre James “Quebra-Ossos” Smith, em 1987, e vivia o melhor momento de sua carreira. No primeiro round, o sergipano até levou a melhor, mas a alegria durou pouco. No assalto seguinte, o norte-americano conquistou uma vitória contundente com um nocaute fulminante.
“A luta contra Maguila foi importante para mim. Ele era número um e meu objetivo era ser o número um e forçar a luta contra Tyson. Eu treinei para isto. Nós lutamos, eu o nocauteei, e as pessoas sentiram que eu tinha força, assim como Tyson”, disse Holyfield, em entrevista ao Esporte Espetacular, em 2015.
Em 16 de junho de 1990, Maguila enfrentava novamente um grande nome do boxe mundial, um ano após ser derrotado pelo então campeão mundial Evander Holyfield. Aos 32 anos, em Las Vegas, Maguila subia ao ringue para enfrentar George Foreman na preliminar da luta entre Mike Tyson e Henry Tillman.
Na época, Maguila ostentava um cartel importante nos pesos-pesados, com 36 vitórias e o 10º lugar no ranking da Associação Mundial de Boxe (WBA). Do outro lado do ringue, Foreman, com 41 anos, lutava para poder disputar novamente o cinturão da categoria.
A expectativa de Maguila e do povo brasileiro acabou no segundo round, quando George Foreman nocauteou o brasileiro.
Fora dos ringues
Em 2009, lançou o álbum “Vida de Campeão”, com a música que dá nome ao disco, de sua autoria, e a gravação de sambas consagrados. Também realizou alguns trabalhos na TV, inclusive como comentarista de economia.
Fã de samba, Maguila foi homenageado ao virar enredo da escola de samba “Me Chama Que Eu Vou”, no desfile virtual de 2021. A canção “Para que nunca se esqueça, um abraço, Maguila”, é de autoria do compositor Thiago de Souza.
Um longa metragem sobre a vida de Maguila, que seria interpretado por Babu Santana, chegou a ser divulgado em 2015. O ator iniciou o processo de treinamentos para viver o pugilista nas telonas, mas as gravações foram suspensas por falta de patrocínio.
A demência pugilística
Em 2013, foi diagnosticado com encefalopatia traumática crônica, também conhecida como demência pugilística. Trata-se de uma doença neurodegenerativa e irreversível, causada por golpes na cabeça. Além de Maguila, a condição acometeu outros grandes nomes do esporte, como o também pugilista e campeão mundial Éder Jofre e o zagueiro Bellini, campeão da Copa do Mundo de 1958 com o Brasil.
De início, os sintomas pareciam esquecimentos normais de carteiras, chaves. Até que as situações se tornaram mais graves e perigosas, como quando o ex-lutador saía de casa e ficava perdido, desorientado. Uma agressividade inesperada foi surgindo, e sua esposa, Irani Pinheiro, buscou ajuda dos especialistas.
O primeiro diagnóstico veio em 2010: Mal de Alzheimer, doença progressiva que destrói funções cerebrais. Mas tudo começou a fazer mais sentido três anos mais tarde, depois do segundo diagnóstico: demência pugilística.
Após consentimento da família, o ex-boxeador concordou, em 2018, em doar o cérebro para pesquisa após sua morte. Será um movimento semelhante ao feito pela família de Bellini. O órgão será objeto de estudo na Universidade de São Paulo. Uma equipe da instituição analisa as consequências de impactos repetidos na cabeça nos esportes, como futebol, boxe e rúgbi, entre outros. O aprofundamento é tido como fundamental para desenvolver medidas de prevenção.
Nos últimos anos de vida, passou a morar no Centro Terapêutico Anjos de Deus, clínica em Itu, no interior paulista. Vivia uma rotina regrada que incluía fisioterapia e muita conversa, além de vídeos e lembranças de lutas antigas.
Fonte: ge | Foto: Arquivo/Agência Estado