Animais foram soltos após reabilitação.
Após anos de cuidados e manejo especializado, um grupo de bugios-pretos (Alouatta caraya), liderado por Chica e Negão, começou um processo de reintrodução à vida livre. Com o auxílio do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e outras instituições, os animais foram transferidos do CEMAFAUNA de Petrolina-PE para uma Área de Soltura de Animais Silvestres (ASAS) em Campo Formoso, onde terão a oportunidade de explorar gradualmente o novo ambiente, sob monitoramento e com suporte alimentar complementar até a adaptação completa.
A ação é o resultado de um longo processo de reabilitação iniciado com a Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) da Bacia do São Francisco, operação coordenada pelo Ministério Público da Bahia e que conta com o apoio do Inema, da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e de outras instituições no combate ao tráfico de animais silvestres, unindo conhecimento técnico e compromisso com a conservação da fauna.
A história de Chica e a formação do grupo

Chica chegou ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do CEMAFAUNA há 12 anos, extremamente debilitada. Apreendida durante uma operação da FPI, ela apresentava sinais de maus-tratos e usava uma cinta presa à cintura. “Ela veio com bastante traumas anatômicos e psicológicos”, explica Fábio Miranda Walker, gerente do Cetas. “Passou por um longo período de recuperação para que pudesse se reabilitar tanto fisicamente quanto mentalmente.”
A trajetória de Chica mudou quando um segundo bugio, chamado Negão, à época vítima de um ataque brutal de um cão, foi resgatado e encaminhado ao mesmo CETAS. Fábio conta que a equipe do CEMAFAUNA acompanhou a recuperação de Negão, e por meses, monitorou sua aproximação com Chica. Quando perceberam que ambos estavam prontos, permitiram que compartilhassem o mesmo recinto. “Cada animal tem uma resposta diferente ao tratamento, e essa adaptação inicial foi fundamental para a formação do bando”, complementa Fábio.
O tratador Gilson Souza Lima, que acompanhou o processo desde a chegada de Chica, lembra dos desafios. “Ela chegou muito fraca, debilitada, e foi um trabalho intenso para garantir sua recuperação. Com a chegada de Negão, observamos o comportamento deles e, quando percebemos que se davam bem, colocamos juntos. A partir daí, a relação se fortaleceu e formaram uma família”, disse ele.
Ao longo dos anos, o casal gerou diversos filhotes, resultando em um grupo estruturado e pronto para ser reintroduzido. “Ver esse bando crescer, desenvolver laços e agora retornar à natureza é uma sensação de missão cumprida”, diz Gilson.
Acompanhamento e preparação para soltura
A equipe do Instituto também desempenhou um papel crucial no manejo dos animais ao longo de todo o processo de transferência, auxiliando na realização de exames do bando e garantindo que a transição para a vida livre ocorresse de forma segura e controlada.
“A soltura não é simplesmente abrir a caixa e deixar os animais irem”, pontua Marianna. “Há todo um planejamento, incluindo a escolha da área adequada, o monitoramento inicial e a garantia de que eles estão prontos para essa nova etapa”, explica Marianna Pinho, bióloga do Inema.
A área escolhida para a soltura branda dos animais foi cadastrada pelo Inema como uma ASAS, ou seja, um local certificado como propício para a reintrodução de animais silvestres. Isso garante que o ambiente ofereça recursos suficientes para a sobrevivência da espécie.
Marianna destacou ainda as características do local, fundamentais para garantir a adaptação e sobrevivência dos animais. “Essa área tem todas as características ambientais e biológicas. Tem recurso hídrico, com uma nascente próxima ao recinto, onde eles podem beber água, e uma vegetação rica que fornece a alimentação adequada para eles, já que se alimentam principalmente de folhas e frutos”, disse.
O período de aclimatação será monitorado pela equipe da ONG Animallia, que coordena o projeto de soltura. Segundo Andreza do Amaral, diretora de Projetos da ONG, após o período de adaptação no recinto controlado da ASAS, os bugios serão soltos de forma definitiva. “Como a soltura será do tipo branda, os recintos serão abertos para que os bugios saiam aos poucos, e ainda receberão alimentação complementar até que estejam totalmente adaptados ao ambiente. Ou seja, não retornem mais ao recinto controlado nem mesmo para comer ou beber”, explicou.
O momento da soltura e a nova jornada
Antes do transporte, uma equipe multidisciplinar realizou um rigoroso check-up nos oito bugios que seriam soltos. Paulo Baiano, médico veterinário do Inema, que auxiliou na realização dos exames, explica que os exames foram essenciais para garantir a segurança tanto dos primatas quanto do ecossistema.
“Foram coletadas amostras para exames como hemograma, bioquímico e citológico de fezes, além da investigação de possíveis doenças contagiosas, inclusive zoonoses. Três dos bugios receberam colares com radiotransmissores para monitoramento, e esse acompanhamento continuará após a soltura, garantindo que a adaptação aconteça da melhor forma possível”, destacou.
Após a realização dos exames e a preparação logística, os bugios foram transportados para Campo Formoso (154,9 quilômetros de distância de Petrolina). O trajeto, formado por um comboio liderado pela PRF, foi cuidadosamente planejado pela equipe de veterinários e biólogos, a fim de minimizar o estresse dos animais.
No momento da abertura das caixas, os macacos saíram aos poucos, ainda receosos com a novidade. Negão, macho alfa do bando, foi um dos primeiros a se aventurar, aparentando reconhecer o local (não por acaso, foi resgatado em Campo Formoso anos atrás). Já Chica, apreendida há mais de uma década do tráfico de animais, hesitou para sair, mas logo deu um salto ágil para a árvore do recinto. Os filhos a seguiram logo depois.
“Foi um momento emocionante para todos nós”, relata Gilson. “Fica aquele aperto no coração por vê-los partir, mas ao mesmo tempo, a alegria de saber que estão onde sempre deveriam estar”.
Agora, Chica inicia um novo ciclo, carregando consigo um presente especial. Ela está gestante e, pela primeira vez, um de seus filhos nascerá livre, sem nunca ter conhecido as grades do cativeiro.
Fonte: Ascom/Sema | Foto: Tiago Dantas- Ascom/Sema