Espetáculo apresentado no CAPS mostra que arte e saúde mental andam de mãos dadas e aprofunda o tema do bem-estar psicológico entre as mulheres.
A arte tem um poder imenso de transformação, especialmente quando se conecta com realidades sensíveis e urgentes. Em Seabra, na Chapada Diamantina, duas atrizes provocaram esse impacto por meio da peça “Mulheres, Benditas Sois Vós”, uma produção baseada no teatro fórum que foi apresentada, junto com uma oficina, no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade, no final de março deste ano. Agora, a apresentação será levada ao público estudantil do Instituto Federal da Bahia (IFBA) campus Seabra no dia 30 de abril de 2025 e do Amsterdam Seabra em 1º de maio, ampliando seu alcance e promovendo importantes reflexões.
Maria Clara Barbosa e Ludimila Agostinho são as artistas condutoras do projeto que não surgiu por acaso, é fruto de uma pesquisa aprofundada acerca da realidade das produtoras de arte e cultura no município, e dos desafios enfrentados por essas mulheres que usam a arte como ferramenta de transformação sociocultural, entendendo que a própria construção do feminino carrega influências históricas e sociais que impactam a saúde física e mental das mulheres.
Muitas violências cotidianas sutis passam despercebidas e perpetuam ciclos de sofrimento. Junto com esses, casos explícitos geram graves questões de saúde mental entre as mulheres. Compreender esses mecanismos sem hierarquizá-los permite romper esses padrões e criar meios para transformar essa realidade.
Nesse sentido, a arte desempenha um papel fundamental, ampliando o olhar sobre o feminino, incentivando uma atuação consciente e promotora de mudanças, reduzindo vulnerabilidades e fortalecendo reflexões sobre o lugar da mulher na sociedade.
No espetáculo, as atrizes dão vida à Elvira e Patrícia, cujas histórias têm em comum as marcas das opressões por serem mulheres. Em busca de alívio, acreditam que o remédio é a solução. Mas na fila do SUS surge o inesperado: o encontro uma com a outra e a força da partilha. Entre memórias, desabafos e sonhos, descobrem que a verdadeira cura pode estar na escuta.
Por ter sido criado a partir da metodologia do Teatro das Oprimidas, com base na técnica do teatro fórum, de Augusto Boal, “Mulheres, Benditas Sois Vós” convida o público a sair da posição de espectadores e ocupar o lugar de “espect-atriz/ator”, ou seja, quem assiste, mas também entra em cena para transformar. O chamado é para refletir sobre saúde mental para além da medicalização, entendendo estruturas ‘adoecedoras’, em especial, para as mulheres, como o capitalismo, o racismo, o patriarcado, a pressa, o perfeccionismo e a lógica da produtividade infinita.
A peça dialoga diretamente com as vivências de mulheres em situação de vulnerabilidade ou em processo de superação de traumas como a violência doméstica, trazendo ao palco histórias que se desenrolam, na maioria das vezes, longe dos holofotes, mas que são vividas intensamente por tantas pessoas.
Teatro fórum e impactos no CAPS
A peça teve grande impacto sobre as usuárias do CAPS, reforçando o papel essencial da arte na saúde mental. Nas encenações participativas, foram apresentados conflitos relacionados à opressão e injustiças sociais, de forma que o público teve a oportunidade de intervir, testando soluções e moldando a narrativa.
“Mulheres, Benditas Sois Vós” se tornou um espaço seguro para expressão, identificação e debate, permitindo que o público feminino não apenas reconheça suas próprias trajetórias, mas também veja possibilidades de mudança e fortalecimento.
Ao levar essa peça para o IFBA, as atrizes garantem que estudantes também tenham a oportunidade de refletir sobre essas questões e compreender a arte como instrumento de empatia, resistência e mobilização social. Em tempos onde a saúde mental precisa ser cada vez mais discutida e valorizada, produções como “Mulheres, Benditas Sois Vós” cumprem um papel essencial em dar voz às experiências femininas e promover mudanças.



Fotos: Clara Guerreiro
O psicólogo do CAPS Seabra, Lucas Novais acredita que as ações em saúde mental, especialmente no âmbito do Centro de Atenção Psicossocial, precisam estar vinculadas com processos artísticos. Segundo a sua visão, a arte viabiliza não só aspectos subjetivos, mas também políticos.
Lucas falou sobre transformação ao referenciar o trabalho de Maria Clara e Ludimila na apresentação teatral no CAPS: “Definitivamente eu estava assistindo e observando algumas usuárias e, pela forma que elas se expressavam corporalmente e com outras mulheres, eu vi como aquele pequeno momento realizado em uma manhã trouxe transformação.”
A transformação de que Lucas fala não se reflete apenas no tratamento pessoal, mas social. “Quando uma peça mostra para essas mulheres diversas formas de sofrimento, diversas formas de violência e questiona junto a elas que são violências tidas como comuns, mas que não devem ser normalizadas, a gente está trazendo uma transformação social muito grande”, completou.
Mulheres Benditas

Maria Clara Barbosa, 27 anos, é atriz, produtora cultural e estudante de pedagogia. Sua trajetória no teatro começou ainda na adolescência, e, ao longo dos anos, se destacou em diversos espetáculos e produções culturais.
Um dos momentos marcantes de sua carreira foi a realização do Festival Viva Elas, em 2024, em Seabra, na Chapada Diamantina, em que atuou como produtora executiva. Ainda em 2024, Maria Clara participou como artista-pesquisadora e assistente de roteiro da websérie Anfitriãs, com lançamento previsto para setembro de 2025.
Ludimila Agostinho, 24 anos, é atriz, palhaça, produtora, dramaturga, roteirista, arte-educadora, cineasta, atualmente estudante do último período do curso de Licenciatura em Teatro pela UFBA e Roteiro de cinema, TV e Games pela EBAC. Aos 16 anos, fundou a escola de teatro para crianças e adolescentes “Teatrando”, e passou por grupos tradicionais como o “Lamparinas do Sertão” e coletivos de arte e cultura. Em 2021, ganhou o prêmio Aldir Blanc pela pesquisa artística e crítica “Se abrindo em cena: Ensaios da etnocenologia pelas trilhas da Chapada Diamantina”. Participou de diversas produções, como “A Resistência da Cabloca” de Direção Coletiva do Bando Teatro Olodum, em 2023.

Foi diretora geral do Festival Viva Elas, 2024, e no audiovisual colaborou como diretora de elenco, cenógrafa, assistente de direção e intérprete em diversos vídeos e documentários, tendo acaba de estrear na direção cinematográfica, produção executiva e roteiro, com sua primeira websérie “Anfitriãs: Mestras e traduções culturais populares da Chapada Diamantina”. Além disso, é pesquisadora no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) com a pesquisa “Análise da atuação do curinga na mediação do espetáculo-fórum sobre gênero, identidade e raça na encenação de ‘A Viúva Negra’”.
Próximas apresentações
Espetáculo Mulheres, Benditas Sois Vós
Quando: 30 de abril, às 16h30 – IFBA Seabra (para estudantes da instituição) Gratuito
1 de maio, às 19h – Amsterdam (Ingressos à venda, clique AQUI)
Informações e atualizações sobre o espetáculo no perfil das redes sociais: @benditassoisvos
Ananda Azevedo | Fotos: Jonieudes
Ludimila concedeu uma entrevista ao JMD desta terça-feira, 29. Confira