PEC da Blindagem recebeu 353 votos favoráveis em 1º turno. A PEC é a garantia de impunidade e favorece o crime organizado na política.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dificulta as denúncias criminais contra deputados e senadores foi aprovada na noite desta terça-feira (16) pelo plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília.
O texto-base, que dependia de 308 votos para avançar, foi aprovado por 353 parlamentares, em votação de primeiro turno. Outros 134 deputados votaram contra o projeto, e houve uma abstenção.
Um segundo turno de votação ainda precisará confirmar a aprovação da matéria, o que pode ocorrer ainda nesta noite. Enquanto isso, os deputados analisam destaques à PEC, que podem ou não alterar pontos específicos do texto.
A PEC determina que qualquer abertura de ação penal contra parlamentar depende de autorização prévia, em votação secreta, da maioria absoluta do Senado ou da Câmara. Além disso, a proposta concede foro no Supremo Tribunal Federal (STF) para presidentes de partidos com assentos no Parlamento.
A chamada de PEC da Blindagem (PEC 3 de 2021), ou PEC das Prerrogativas, foi articulada pela maioria dos líderes da Câmara com o apoio da oposição liderada pelo Partido Liberal (PL).
A bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) orientou voto contrário, mas bancadas governistas, como lideranças de Governo e da Maioria, liberaram os votos.
Caso a PEC avance passe pela Câmara e seja aprovada posteriormente no Senado, processos judiciais, seja por desvio de emendas parlamentares ou outros crimes, só poderão ser julgados no STF com autorização dos parlamentares.
O texto aprovado em primeiro turno é um substitutivo relatado pelo deputado Claudio Cajado (PP-BA), que deu parecer favorável ao projeto.
A proposta permite que deputados e senadores barrem a prisão de colegas, em votação secreta. Defensores da medida dizem que a proposta é uma reação ao que chamam de abuso de poder do Supremo Tribunal Federal (STF) e que as medidas restabelecem prerrogativas originais previstas na Constituição de 1988, mas que foram mudadas posteriormente.
Já contrários à proposta alegam que a medida blindaria deputados da possibilidade de serem processados e investigados por crimes de qualquer natureza, incluindo delitos comuns, como corrupção e atos de violência, por exemplo.
Em conversa com jornalistas, o deputado Cajado justificou que o texto não é uma autorização para “maus feitos”, mas apenas uma “proteção” para os deputados exercerem sua função sem medo de “perseguição política”.
“Isso aqui não é uma licença para abusos do exercício do mandato, é um escudo protetivo da defesa do parlamentar, da soberania do voto e, acima de tudo, do respeito à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal”, disse.
O texto apresentado pelo relator afirma que: “Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa”.
Em outro dispositivo, a PEC define que a decisão deve ser dada “por votação secreta da maioria absoluta de seus membros, em até noventa dias a contar do recebimento da ordem emanada pelo STF”. Maioria absoluta significa a metade dos parlamentares da Casa mais um.
No caso de prisão por crime inafiançável, é necessário manifestação, em 24 horas, da Câmara ou do Senado, por votação secreta. A Casa poderá suspender a prisão com maioria simples que, diferentemente da maioria absoluta, requer a maioria dos parlamentares presentes na sessão e não do total.
Sobre o voto secreto, o relator Claudio Cajado sustentou que a modalidade “nunca deu problema”.
“Qual o problema do voto secreto? [É] para que todos tenham a sua consciência voltada para o pleno exercício da atividade parlamentar”, afirmou.
O relator justificou ainda a inclusão dos presidentes de partidos entre aqueles com direito ao foro por prerrogativa de função, só podendo ser processado pelo STF.
“Eles são ativistas na política. Eles complementam a atividade política. Então, qualquer processo sobre eles não tem que ter autorização, para ficar claro. Mas o foro fica sendo também igual aos dos deputados”, disse Cajado.
PEC blindagem
A PEC da Blindagem começou a ganhar força na Câmara dos Deputados após a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro e o motim da oposição que impediu os trabalhados legislativos por uma semana.
Os aliados do ex-presidente criticam as ações do STF contra deputados e senadores acusados de colaborar ou participar do movimento golpista que questionou, sem provas, as eleições presidenciais de 2022.
Segundo o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o objetivo é retomar o texto da Constituição de 1988 que condiciona a abertura de ação penal contra deputado ou senador a uma autorização prévia da Casa legislativa do parlamentar.
“Investigar pode. Para processar que será necessário autorização das Casas em até 90 dias”, explicou Sóstenes à Agência Brasil.
Durante a deliberação da matéria, no plenário da Câmara, a matéria foi criticada por integrantes da base do governo.
“Quando você estende esse procedimento [blindagem] para os presidentes de partidos, você estende desconsiderando que cargo não é função de Estado. Então, há uma ampliação artificial do próprio foro. Os próprios parlamentares têm que votar se eles devem ou não responder pelos seus crimes e isso é um absurdo”, criticou a deputada Érika Kokay (PT-DF).
“Eu, sinceramente, não vejo como interesse do povo brasileiro em uma PEC que protege parlamentares, deputados e senadores. A pauta nossa tem que ser a vida do povo. Estamos preocupados com a Medida Provisória que beneficia 60 milhões de brasileiros [com isenção na conta luz]. Por isso, encaminhamos voto não”, declarou o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ).
Constituição
Até 2001, a Constituição estabelecia que os parlamentares não poderiam ser processados criminalmente sem prévia licença de sua Casa.
Naquele ano, uma Emenda Constitucional, a 35/2001 retirou essa parte da Constituição, e os deputados passaram a ser processados sem autorização prévia do plenário da Câmara ou do Senado.
Atualmente, a Câmara ou Senado pode suspender o andamento de alguma ação, depois que ela já tenha sido aceita pelo Judiciário, desde que o crime tenha ocorrido após a diplomação e tenha relação com as funções do parlamentar.
Na prática
De acordo com a Transparência Internacional, quando regra semelhante à proposta pela PEC vigorou no Brasil, entre 1988 e 2001, foram enterradas 253 investigações contra parlamentares – contra apenas uma autorizada. Do total, 210 investigações não foram adiante porque o Congresso simplesmente se omitiu – em outras 43 oportunidades, o Congresso rejeitou o avanço das investigações.
O prazo de 90 dias, previsto na PEC 3/2021, para apreciação dos pedidos de abertura de processos contra parlamentares é insuficiente para mitigar este risco. Afinal, não há previsão de que, esgotado esse prazo, os processos sigam em frente.
Ainda segundo o movimento, parlamentares federais já controlam, hoje, mais de R$ 50 bilhões por ano em emendas parlamentares. Apesar disso, se mostram avessos a qualquer tipo de medida de transparência ou controle e se preocupam mais com a possibilidade de responsabilização pelos desvios do que com a necessidade de interrompê-los. A urgência da blindagem se origina justamente no avanço das investigações sobre estes desvios, que já alcançam quase uma centena.
A proposta aprovada pela Câmara ainda agrava os crescentes riscos de infiltração do crime organizado na política local, já que dificulta as investigações contra deputados estaduais. O Supremo Tribunal Federal confirmou, recentemente, que as mesmas regras sobre imunidades parlamentares de senadores e deputados federais se aplicam a parlamentares estaduais (ADI 5824 e 5825). Dessa forma, caberá às Assembleias Legislativas decidirem, também, sobre a abertura de processos criminais contra seus membros.
Também é injustificável a ampliação do alcance do foro de prerrogativa de função aos presidentes de partidos políticos, que são, por determinação legal, pessoas jurídicas de direito privado. Não há precedentes na história constitucional brasileira ou paralelos na comparação com países desenvolvidos para tal medida, que agrava os riscos de impunidade por desvios com os bilhões em recursos públicos que alimentarão as campanhas eleitorais em 2026. Partidos políticos já se autoconcederam quatro anistias desde 1988; cabe ao Senado Federal evitar que uma quinta se instale.
Por fim, a Transparência Internacional conclui que o avanço de pautas corporativistas, desconectadas dos anseios populares, coloca em xeque a legitimidade do Congresso Nacional, já abalada por seguidos escândalos de corrupção. Os desvios bilionários em emendas parlamentares e a crescente infiltração do crime organizado no Estado brasileiro exigem medidas urgentes para fortalecer a capacidade de resposta e responsabilização de criminosos – não ajustes de conveniência pela impunidade.
Fonte: Agência Brasil/Transparência Internacional | Foto: Lula Marques/Agência Brasil