Por Bianca Silva Buitrago*
Durante manifestação de mulheres, uma das presentes sofreu agressões verbais e ameaças, evidenciando as situações de violência a que estão expostas diariamente.
No último domingo, 7, no Coreto do Vale do Capão, distrito de Palmeiras, um grupo de, aproximadamente, 50 pessoas se reuniu para protestar contra o feminicídio e a violência de gênero. O encontro teve início às 10h, com concentração no Coreto do Capão e a programação envolveu as palestras de Cristina Nishimori, ativista da causa feminista e moradora do Vale, e Carla Regina, cantora, compositora, txai e a principal articuladora do movimento.
O ato foi organizado em conjunto com o Movimento Mulheres Vivas, uma campanha nacional pelo fim do feminicídio. As palestras focaram em debater dados quantitativos sobre o feminicídio no Brasil; e houve um recorte regional sobre o silêncio que permeia as mulheres do Vale do Capão no que tange a violência, e sobre a falta de estrutura e como isso impacta as vidas femininas na localidade. Além disso, um dos focos foi quebrar o silêncio, e a intensa participação do público presente mostrou que esse objetivo foi atingido. O espaço foi acolhedor e acendeu em muitas mulheres a vontade de mudar o cenário atual.
Durante o ato, um homem interrompeu a fala de uma das palestrantes ao proferir ofensas e ameaças dirigidas a outra mulher que estava no local, sendo retirado pelo grupo. O episódio evidenciou, na prática, o cenário de intimidação que a mobilização buscava denunciar.
De acordo com testemunhas, o homem gritou insultos em tom agressivo, além de fazer ameaças. A situação causou tensão entre as mulheres e só foi contornada com a união de participantes do ato e a intervenção de um morador que se aproximou para interromper a agressão verbal. Carla, moradora da região e palestrante do evento iniciou um debate direto e combativo diante da postura do agressor, ainda que temesse retaliações futuras.
“Me senti em perigo. Ele claramente não queria falar. Me ameaçou e ameaçou ela sem a menor lógica. Ele estava com muita raiva, descontrolado, nada do que a gente dissesse conseguia trazê-lo de volta. Ela nem o conhece direito, eu também não. Sem nenhuma estrutura para enfrentá-lo, ainda me sinto em perigo porque ele ainda está por aí”, afirmou.
A mulher que foi alvo direto das ofensas também relatou o medo vivido no momento. “Me senti ameaçada. Me afastei e procurei a ajuda de um amigo. Gritei porque precisava chamar a atenção, mostrar que algo estava acontecendo”.
O responsável por conter a situação é morador do distrito há quatro meses, e diz que interveio ao perceber a situação de opressão. “Foi uma agressão muito séria. Enquanto homem, conversei com ele depois e percebi que ele só queria impor a verdade dele, sem necessariamente considerar a realidade.”
Além disso, as mulheres presentes se uniram protegendo umas às outras e mudando o foco da violência para o cuidado coletivo. “Foi assustador, mas também foi quando percebi o quanto a união faz diferença. Se não tivéssemos nos unido, não sei como teria terminado”, relatou uma das participantes, que prefere não se identificar. “Quando a violência acontece, a gente se sente muito sozinha. Não é fácil falar, não é fácil pedir ajuda. Muitas vezes a gente nem sabe por onde começar”, contou outra moradora.
Cristina, moradora do Vale e oradora do evento, aponta que tal acontecimento reforçou a importância da organização das mulheres. “A manifestação viva do que estamos discutindo. Sempre tem um homem misógino perto de nós e vivemos ao vivo ameaças a uma mulher no meio de todo mundo. Ele veio provar que a situação está insustentável. Falta consciência do machismo, da misoginia e do patriarcado. É tudo tão estrutural que as vezes as pessoas não se dão conta do nível de violência. Esse ato de hoje mostrou como precisamos de mais movimentos como esse”.
A situação é agravada pela realidade estrutural do distrito. O Vale do Capão não possui delegacia, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) nem atendimento especializado permanente. Além disso, o acionamento da Polícia Militar depende do contato telefônico (75 3332-2228), mas é necessário aguardar o deslocamento de uma viatura da sede, em Palmeiras, localizada a cerca de 40 minutos do local.
O episódio vivido durante a mobilização, longe de enfraquecer o movimento, acabou por fortalecer ainda mais o sentimento de união. Para muitas mulheres, ficou claro que a proteção começa quando existe vínculo, confiança e apoio mútuo. “A violência tenta nos isolar. A nossa resposta precisa ser o contrário: aproximação, união e cuidado”, resumiu uma das participantes.
Formação de redes de apoio
Inspiradas por essa realidade, algumas moradoras decidiram construir uma rede de apoio feminino baseada em três pilares: escuta, informação e proteção comunitária. A proposta não é substituir o Estado, mas garantir que nenhuma mulher precise enfrentar a violência completamente sozinha.
O coletivo ainda não tem um nome definido, mas informalmente é chamado de “Mulheres do Vale”. Os encontros são marcados periodicamente, mas sem datas fixas. É um grupo novo, formado por mulheres que querem apoiar e também buscar apoio. As principais atividades são o compartilhamento de pedidos de socorro, por exemplo, de mulheres fugindo de homens abusivos, a realização de vaquinhas, oferta de suporte e acolhimento para as que não têm para onde ir, no entanto, ainda se trata de um grupo informal. A responsável é Camila Casqueiro Almeida, moradora do Vale e o contato para mais informações é o (71) 99230-4473. Não há rede de telefonia móvel na comunidade, então é necessário acessar esse contato por mensagens de WhatsApp.
Para fortalecer o grupo, as organizadoras fazem um chamado para que mais mulheres se aproximem, participem e fortaleçam essa iniciativa. A participação não exige que ninguém conte sua história. É possível apenas ouvir, se informar e estar junto, segundo uma das organizadoras. “Não é um grupo só para quem já sofreu violência. É para todas nós. Para que, se um dia precisarmos, não estejamos sozinhas”, explicou.
*Bianca Silva Buitrago contribuiu voluntariamente enquanto ativista da causa e moradora do Vale do Capão.
Edição de Ananda Azevedo | Foto: Bianca Silva Buitrago


